"O prazer de ler — ficar absorto, desaparecer, ficar pendurado — é uma solidão acompanhada, uma viagem sem fim e sem esforço."
Miguel Esteves Cardoso
No tempo em que não havia televisão, nem computadores, em que as famílias eram numerosas e os transportes demasiado caros para se poder viajar, em que as viagens se faziam ao ritmo dos passos e estes eram limitados pelo tamanho das pernas dos mais pequenos, a forma mais rápida de viajar era, sem dúvida, através de um livro. Foi por isso eu aprendi a ler muito cedo e desde os quatro anos que os livros passaram a ir para todo o lado comigo e a ser a minha grande companhia. Onde quer que fosse eu levava um livro que era sempre garante de uma viagem muito bem acompanhada e nunca aborrecida.
E antes dos livros, antes de
saber ler, antes de juntar as letras?
Antes de saber ler eu sei que já havia
histórias, muitas histórias. Histórias contadas, cantadas, declamadas,
ensaiadas, histórias tradicionais, antigas, inventadas, novas, vividas, orais, da vida real, repetidas, narradas, em prosa, em verso, que espicaçavam a minha
imaginação e me faziam sonhar.
Também havia letras, desenhadas no
papel, na ardósia, ou até no chão desenhadas com a ajuda de um pau. As letras andavam espalhadas por todo o lado, às vezes sozinhas, outras de mãos
dadas, mas sempre muito arrumadinhas em grandes filas que me deixavam curiosa e com muita
vontade de as entender. Devia ser bom conhecê-las pois os mais velhos estavam
sempre ler as coisas que elas diziam e o jornal, lá em casa, era muito disputado
entre todos. Por isso eu queria sempre ficar com os jornais velhos pois tinham
muitas letras e podiam ser uma fonte infinita de brincadeiras.
Lembro-me que um dia, enquanto a
minha mãe estendia a roupa no arame do quintal, eu andava de jornal na mão a olhar as letras. De repente fui ter com ela e, fiz-lhe a pergunta do costume:
- Mãe, que letra é esta?
Ela olhou para baixo e respondeu:
- Isso é um “A”.
Logo a seguir mostrei-lhe outra,
mais pequena e com um formato muito diferente da primeira. Perguntei de novo: -
E esta Mãe, que letra é? Ela olhou para o jornal e respondeu de novo: –
Isso é um “a”.
Então protestei: - Não pode ser.
A mãe acabou de me dizer que a outra é que é um “A”!
A minha mãe deixou o que estava a fazer,
sentou-se comigo no assento de pedra junto ao muro, agarrou no jornal e
explicou: “Sabes filha, todas as letras podem ser pequenas ou grandes, conforme
o lugar onde estão ou aquilo que querem dizer. O primeiro “A” que me mostraste
era um “A” grande. Queria que todos vissem que estava ali por isso era alto e
estava no princípio da linha. O segundo “a” era um “a” pequeno porque
só queria indicar o som que estava a representar. E lançou-me um desafio: “
Vamos ver neste jornal se há mais “às” grandes e mais “às” pequenos?”
Foi assim que descobri que as letras podem ser maiúsculas ou minúsculas. Foi com estas brincadeiras inocentes que nasciam do coração de uma mãe que, sem nunca ter ido à escola e sem nunca ter ouvido falar em pedagogia, percebeu que a leitura é melhor arma para se ter sucesso na vida, que é a alavanca que empurra a sociedade para um patamar superior. Foi assim que cheguei à leitura e aos livros, sem planos, sem objetivos, sem avaliações. Cheguei à leitura com a liberdade de quem pode pensar livremente, de quem pode experimentar sem tempo, de quem pode voar sem limites, de quem ganha asas e as fortalece agarrando assim o seu futuro. Tudo feito como se de uma brincadeira se tratasse, apenas com silencio, carinho e a criatividade ditada pelo amor imenso do coração de uma mãe completamente disponível para mim.
Foi assim que descobri que as letras podem ser maiúsculas ou minúsculas. Foi com estas brincadeiras inocentes que nasciam do coração de uma mãe que, sem nunca ter ido à escola e sem nunca ter ouvido falar em pedagogia, percebeu que a leitura é melhor arma para se ter sucesso na vida, que é a alavanca que empurra a sociedade para um patamar superior. Foi assim que cheguei à leitura e aos livros, sem planos, sem objetivos, sem avaliações. Cheguei à leitura com a liberdade de quem pode pensar livremente, de quem pode experimentar sem tempo, de quem pode voar sem limites, de quem ganha asas e as fortalece agarrando assim o seu futuro. Tudo feito como se de uma brincadeira se tratasse, apenas com silencio, carinho e a criatividade ditada pelo amor imenso do coração de uma mãe completamente disponível para mim.
E hoje será que com os nossos planos,
avaliações, mil e um projetos, mil e um afazeres temos mais sucesso que teve a
minha mãe? Será que em vez de perder tanto tempo a escrever papeis, a fazer planos,
não seria melhor parar, abrir os braços e acolher, indo ao encontro das
crianças, da sua curiosidade, das suas necessidades e, a brincar, mostrar que
ler é uma das coisa melhores da vida?
Acho que só assim conseguiremos criar bons leitores.
Acho que só assim conseguiremos criar bons leitores.